segunda-feira, 11 de abril de 2011

O primado da graça na salvação do homem


 A justificação é uma dimensão da graça de importância fundamental. O favor de Deus é efetivamente concedido ao homem pecador, nele se mostra a iniciativa divina e, portanto, o primado absoluto da graça nessa concessão, embora ela não seja dada sem nossa cooperação. Com efeito, a filiação divina a que somos chamados desde o primeiro momento da nossa existência e à qual é chamada a humanidade desde do inicio da história só pode realizar-se na medida em que Deus nos perdoa, nos justifica.

 Paulo, o autor neotestamentário que mais fala da justiça de Deus, é um herdeiro dessa tradição. A fidelidade de Deus à aliança manifestou-se em Jesus, no qual Deus quer salvar-nos, no qual se dá, por conseguinte, a manifestação definitiva da justiça divina. A justiça de Deus é o poder salvífico que se opõe ao poder do pecado e o derrota. Assim, Jesus foi feito pecado para nós, para que pudéssemos tornar-nos justiça de Deus nele (2Cor 5,21). Assim, fomos reconciliados com Deus, deixamos de ser seus inimigos e passamos a ser amigos (Rm 5, 10).

 A justificação pela fé e a justificação gratuita encontram sua confirmação no exemplo de Abraão (Gn 15,6), ao qual é dedicado o capitulo quatro da epístola aos romanos. Abraão é o pai dos crentes porque teve confiança em Deus, abandonou-se a Ele, numa palavra, creu. Por isso, também nós fomos constituídos herdeiros da promessa pela fé, ou seja, pela graça. Tanto a justificação pela fé como a justificação pela graça se opõem à justificação pelas obras. Afirmar que o homem é justificado pela fé significa, portanto, que é justificado aquele que aceita o dom de Deus, que se renuncia a se auto-afirmar diante de Deus, que reconhece o primado de Deus na Salvação.

 O ser humano nada mais é que mentira e pecado. Por isso, aquele que não está incorporado em Cristo não pode realizar o bem (Rm 14, 13; 10,3), suas obras não provêm do amor e, assim, estará sempre maculado de soberba. Dai a necessidade da graça para as boas obras; essa graça tem efeitos diversos, mas dentre eles surge o auxilio, o adjutorium, para que o homem possa fazer o bem. A graça não é somente para o conhecimento do bem, mas também para executarmos o que conhecemos. A graça não nos é dada só para fazermos com mais facilidade o que poderíamos realizar sem ela, mas é absolutamente necessária para cumprirmos os mandamentos divinos.

 O cristão é, assim, libertado do pecado e orientado par Deus. Dele provêm as boas obras, assim como os frutos vêm da árvore boa. Mas essas obras jamais serão um mérito do homem diante de Deus. A graça requer, portanto, a cooperação humana no assentimento ao dom que se recebe, sem que com isso se perca alguma coisa de seu primado absoluto. E ai, juntamente com a liberdade no acolhimento da graça, insiste-se na transformação interior do homem que a justificação comporta: ela não é apenas a remissão dos pecados, mas a santificação e renovação do homem interior.

 A justificação não consiste somente na remissão dos pecados, nem na imputação da justiça de Cristo, nem no favor de Deus, mas na graça e na caridade, na justiça que vem de Deus, inerentes a nós. Mesmo sem utilizar uma linguagem escolástica, o Concilio afirma com clareza que o justificado é transformado internamente, que nele se produz não apenas uma mudança em sua relação com Deus, elemento sem dúvida de capital importância; filiação adotiva, amizade, mas também um novo modo de ser; o justificado é realmente justo, e não apenas considerado tal.

 Liberdade do homem, e, portanto cooperação com a graça na preparação para a justificação, e verdadeira transformação do justificado são dois pontos centrais que, para Trento e, por conseguinte, para a doutrina católica não são de modo nenhum um obstáculo ao primado absoluto da graça, mas devem ser vistos de preferência como conseqüências dela. A justificação é, resumindo o todo, uma ação de Deus no homem. A graça, cujo primado nunca sublinharemos o bastante, tem seu real efeito em nós e simultaneamente suscita nossa livre cooperação. Nesse contexto da justificação, não se pode afirmar Deus a expensas do homem nem muito menos o contrário.

Dom Eduardo Rocha Quintella
Bispo Diocese Belo Horizonte

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