Antropologia Teológica da Salvação – 15/06/2014
A
Vida e a ação de Jesus mostram, claramente, que a salvação que Ele realiza em
nome de Deus não é tirar-nos de nossa humanidade mas, antes, tirar-nos daquilo
que nos impede de sermos humanos. É nesse sentido que podemos entender, por
exemplos, os relatos evangélicos que narram as curas e os exorcismos operados
por Jesus: são gestos salvadores que devolvem às pessoas a plena capacidade de
humanidade.
Nesse
sentido fica mais fácil entender que a salvação não é apenas conserto da
natureza corrompida pelo pecado, mas muito mais que isso, ela é dom, acréscimo,
dádiva, graça, excesso, abundância. Não se trata de refazer o que o humano foi,
mais de dar realização plena às suas potencialidades, isto é, fazer com que o
humano seja aquilo que é chamado a ser. Por isso, a salvação aponta muito mais
para o futuro que para o passado, para o que podemos ser e seremos, muito mais
que para o que fomos.
Na
teologia e no pensamento moderno, insiste-se no fato de que o homem não tem uma
alma e um corpo, mas é alma e corpo. E, na medida em que ambos são corpo e alma
do homem, ele é uno: essa unidade deveria ser o aspecto principal. Somente a
partir dela é possível à distinção desses dois aspectos ou dimensão, momentos,
nunca partes, de seu ser.
O
homem é corpo, ou seja, existe no espaço e no tempo, é parte deste cosmos,
encaminha-se para a morte; é alma transcende os condicionamentos deste mundo, é
imortal, e, em última análise, tudo isso tem sentido porque o homem é ser para
Deus, é relacionado radicalmente a Ele.
Há
no homem uma dimensão irredutível ao material e ao mundano, ontologicamente
distinta da realidade corporal. A fé cristã mantém esta concepção como algo a
que não se pode renunciar, porque só assim pode ter sentido a concepção do
homem criado à imagem de Deus, chamado à comunhão com Deus em cristo e à
conformidade com o ressuscitado.
É
preciso uma nova compreensão antropológica que se baseie, inclusive, em Jesus
de Nazaré que, para a nossa fé, é revelador do ser de Deus, mas também do ser
humano. Com efeito, é Jesus que nos revela o que é humano, ou para dizer de
outra maneira, o que significa ser humano neste mundo. A compreensão do ser da
humanidade, neste sentido, não parte de minha experiência de humanidade, uma
experiência fragmentada e incompleta, mas sim da vida de Jesus, o novo Adão,
isto é, o fundador da nova humanidade e, por isso, revelador do ser humano.
Claro
que a formulação antropológica da teologia deve levar em conta os avanços da
ciência, sobretudo as chamadas ciências humanas, que ajudam a compreender o
significado da humanidade. Hoje, existem multiplicas antropologias, isto é,
formas de compreensão do significado do humano no mundo. A antropologia
neoliberal, que afirma que o ser humano é o consumo, não é a única antropologia
possível nos dias de hoje, e por isso pode ser questionada. Existem, também, as
antropologias indígenas que afirmam que o ser humano se realiza na festa e na
dança, e não no sucesso ou no consumo.
Mas
o discurso antropológico da teologia não pode ser simplesmente funcionalista ou
ideológico. Tem de ser teológico, o que significa partir da Revelação. È
preciso colocar a questão antropológica aos pés de Jesus, e dele aprender o que
significa a humanidade que partilhamos. Não posso escolher uma antropologia
segundo minhas convicções ou vontades pessoais, mas sim ver qual ou quais
antropologias resistem à critica de Jesus.
Claro
que as ciências humanas podem ajudar-nos a compreender o que Jesus nos revela
sobre nossa humanidade, e assim auxiliar-nos a distinguir aquilo que constrói o
humano daquilo que não o constrói. Mas o cristão não perde de vista que a
Revelação, de Deus e do humano, vem de Jesus. Aqui, desnecessário dizê-lo,
reside toda a importância da cristologia: o cruzamento da história de Deus com
a história humana, indicando o caminho da salvação.
Dom Eduardo Rocha Quintella
Bispo Diocese Belo Horizonte
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