domingo, 22 de junho de 2014

A EUCARISTIA E A INTEGRIDADE DO HOMEM – 22/06/2014

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A vida litúrgica tem, igualmente, uma visão particular do homem, visão que parece vir de encontro ao homem de nosso tempo e a suas necessidades. Ele herdou de uma tradição teológica plurissecular a angústia do próprio ser dividido em alma e corpo, espírito e matéria. Herdou o dilema de ter que escolher entre esses elementos, posto que, para ele, a esfera propriamente espiritual é incompreensível. Em uma tradição litúrgica o homem participa como homem integral no encontro com Deus.

Ele não fecha os olhos, segundo o modelo da piedade ocidental, para buscar um encontro com Deus que seja desmaterializado (e que no final nada mais é do que uma relação psicológica). Tal defesa da natureza unitária do homem não poderia talvez for aceita por uma humanidade que já deixou, e ninguém pode repreendê-la por isso, de pensar com as categorias antropológicas do platonismo e do aristotelismo.

Mas, além de defender a própria integralidade, o homem reencontra na eucaristia outra qualidade fundamental, cuja perda acabou por criar uma crise real em sua consciência e em sua vida. A Eucaristia não é o lugar do simples encontro de cada indivíduo com Deus. Ela é, na sua essência, uma manifestação social e eclesial, e como tal é conservada, mesmo que simbolicamente.

Talvez não haja nenhuma outra manifestação da existência eclesial em que os cristãos cessem de maneira análoga de operar como indivíduos para transformar-se em Igreja. Na Eucaristia a oração, a fé, o amor, a caridade (todas as coisas que os fiéis realizam por própria conta) deixam de ser a manifestação de um eu e se fazem manifestações de um nós, enquanto que toda a relação do homem com Deus se torna uma relação de Deus com o seu povo, com a sua Igreja.

A eucaristia não é somente comunhão de cada indivíduo com Cristo, mas é, em primeiro lugar, comunhão dos fiéis entre si e unidade no corpo de Cristo, não muitos corpos, mas um só corpo, como observa João Crisóstomo fielmente interpretando a Paulo. Assim também esta verdade bíblica segundo a qual o caminho para Deus passa indispensavelmente pelo caminho para o próximo, manifesta a própria vitalidade na visão do homem a partir da Eucaristia. É neste modo que o homem deixa de ser indivíduo e emerge como pessoa.

A pessoa não é uma realidade que constitui uma engrenagem de qualquer maquinário ordenado a qualquer fim, por mais justo que seja tal fim (visão, essa, tipicamente coletivista). Também não é um meio em vista de um fim. É o fim de si mesma imagem e semelhança de Deus, que somente na comunhão com Deus e com os outros encontra a própria justificação.

O homem moderno vive quotidianamente sob o peso da oposição entre indivíduo e coletividade. Sua vida social não é communio, mas societas, e sua reação violenta e justificada contra o coletivismo o leva ao individualismo, que é, paradoxalmente, o próprio pressuposto do coletivismo, já que não tem outra escolha.
A tradição cristã não lhe ofereceu uma antropologia que o justificasse como pessoa, já que mesmo na Igreja é sempre olhado ora através do espelho deformante do individualismo, ora através daquele da coletividade. A liturgia pressupõe e conduz a uma antropologia na qual o homem não pode ser entendido a não ser como nova criatura em Cristo.

A liturgia não faz teologia, não formula definições, ela indica e revela, responde à pergunta: O que é o homem, endereçando a Cristo como ao homem por excelência, isto é, como ao homem um com Deus, feito Deus.

Aquele no qual o homem, unido através da comunhão divina, se transforma naquilo que verdadeiramente é: um homem em toda a sua plenitude. Tudo isso constitui a experiência de quem participa da liturgia.

Mas, o que acontece depois que somos despedidos em paz e retornamos ao mundo. Que significado pode ter a eucaristia para a vida ética e comunitária do mundo.

Dom Eduardo Rocha Quintella
Bispo Diocese Belo Horizonte

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