O valor cristão do perdão pode aliviar tantas feridas.
O chamado cristão ao perdão faz parte do que é mais radical e nuclear da mensagem evangélica: o amor. Falar do perdão surpreende, mas não é um aspecto distinto ou regional da mensagem evangélica, mas que manifesta o rosto cristão do amor.
A mensagem cristã se aprende. Sem dúvida, aprende-se, a partir da Palavra e do Espírito de Jesus e no âmbito da própria experiência pessoal. Mas precisamente se aprende não como algo raro e sublime que chega a nossa vida como um adendo, mas como a resposta à pergunta que a humanidade se formula e que todos sentimos dentro: qual é a atitude adequada ante os demais e, em concreto, ante os que fazem e nos fazem mal.
O mundo está marcado por conflitos em todos os níveis: o valor cristão do perdão pode aliviar tantas feridas. Situemos a mensagem cristã sobre o amor que perdoa. Não é só uma palavra proposta a algumas pessoas que sofrem. É a revelação de Deus Pai a uma humanidade marcada pelo ódio, a confrontação e a vingança, há dois mil anos, e hoje também. Deus revela seu chamado a um amor que perdoa, não para aliviar, mas para resolver, como salvação de nossa violência humana por caminhos de paz e de reconciliação.
O perdão é a opção cristã perante um mundo tão desumano. De todas maneiras, os homens podem ignorar este chamado; os conflitos continuam aí e de fato são muito graves. Metidos neste mundo tão violento, a atitude de perdão está chamada a criar âmbitos de humanidade, a recuperar relações que talvez já foram quebradas, aliviando assim feridas muito profundas.
Saber perdoar é uma arte do espírito. Comporta, como mínimo, duas coisas. Uma é aceitar e entender o agressor. Isto não significa justificar algo que pode ser terrível; significa não derivar a experiência da agressão em ódio ao agressor, mas em entender o que faz o mal como pessoa, inclusive em sua malícia. A segunda é ainda mais difícil; é entender que a própria vida ou a dos meus entra também no âmbito do mal, que todos navegamos na mesma nave.
Para o Evangelho, perdoar comporta em sua raiz aceitar também o próprio pecado. Ambas as coisas são possíveis só no âmbito de uma experiência, a do perdão de Deus, ao outro e a mim mesmo. Saber-se já perdoado é o único clima que faz o homem capaz de dar estes dois passos; entender o que o mal faz e aceitar as próprias negatividades, sem negá-las.
Nosso mundo moveu-se nos últimos séculos sob o impulso da justiça, e por ela viveu mudanças e revoluções muito profundas, terríveis, cruentas. Hoje olhamos com horror o sofrimento causado pelas guerras e as revoluções do século passado, e as que continuam hoje, em muitas partes do mundo. A justiça é necessária, mas sua exigência pode levar durezas muito desumanas. Talvez hoje possamos entender algo que antes parecia ridículo: a necessidade de misericórdia.
Creio que é próprio de uma grande maturidade entender a sabedoria escondida no binômio justiça e misericórdia, os dois acentos que a experiência cristã descobre no mistério de Deus Pai. Nisto pode viver uma maturidade que antes era muito difícil, e avaliar o entranhável acento divino e humano da misericórdia de Deus.
Faz parte de um dos acentos de nossa pós-modernidade, o desencanto ante o fracasso de muitos grandes projetos, e o recurso a experiências palpáveis, imediatas, quase como um refúgio ante a falta de perspectivas.
Toda nossa sociedade está nesta situação como perante um desafio. Há quem augura a perda cultural de todo sentido. Não creio. Trata-se de aprender de nosso passado e buscar, sem cair de novo nos enganos de sempre.
Hoje soa como luminosa a frase do Evangelho: Quem busca, encontra. Hoje é possível buscar, e há pessoas e grupos, adultos e jovens, que buscam, em meio de todas as crises. É o germe da humanidade nobre e positiva do futuro. A experiência cristã entende que quem busca a luz sobre a vida a encontra; e que toda luz autêntica é reflexão do Evangelho de Jesus.
+Dom Eduardo Rocha Quintella
Bispo Diocese Belo Horizonte
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