terça-feira, 3 de maio de 2011

A revelação como encontro


Deus, na medida em que é revelado à experiência humana por intermédio de Jesus, é pessoal. E é possível descrever a experiência dessa revelação utilizando-se analogamente um marco de comunicação intersubjetiva ou interpessoal. Não se trata de uma operação dedutiva que argumenta com base na personalidade de Deus, e sim de uma fenomelogia da experiência da revelação cristã que responde pela crença segundo a qual Deus é pessoal. A revelação cristã não se afigura como conhecimento a respeito de Deus como que de um objeto, nem mesmo como conhecimento sobre uma pessoa transcendente. A revelação cristã assume antes a forma de um encontro pessoal com um sujeito divino. Quais são alguns dos atributos da experiência quando descrita nesse paradigma?

Uma primeira característica da revelação cristã é que se trata de uma comunicação intersubjetiva. Deus é experienciado como sujeito, de tal sorte que o contato ou a percepção humana de Deus não pode ser um conhecimento acerca de Deus como que de um objeto. Na revelação cristã, Deus é experienciado como eu pessoal. Deus é experienciado como presente e interno ao próprio eu; Deus comunica seu ser à consciência do próprio ser-presente-a-si-mesmo. Deus é pessoal, e o fundamento dessa afirmação é a experiência de Deus como sujeito pessoal.

Em segundo lugar, na revelação cristã de Deus, experiencia-se Deus como transcendente. Porque Deus é Deus, a personalidade de Deus consiste em uma subjetividade infinita. Quando experienciamos Deus no âmago de nós mesmos, sabemos que não estamos simplesmente experienciando o eu, e sim uma presença ao eu que transcende infinitamente nossa própria subjetividade. Quando experienciamos Deus nos meios da história e através deles, o tema dessa experiência é que Deus transcende os meios, os eventos, as pessoas e a linguagem históricos que o evocam à consciência. Deus transcende o mundo físico, a própria natureza, o universo ou o cosmo.

A infinitude de Deus é vivenciada na experiência da própria finitude de tudo quanto existe e do qual o eu faz parte. Já se percebe aqui uma razão mais profunda pela qual o conhecimento de Deus não pode ser conhecimento objetivo, em nenhuma acepção comum, acerca de Deus. A subjetividade de Deus é uma subjetividade infinita. Não pode ser contida, limitada, fixada, determinada por uma objetividade que por definição é finita, limitada, fixada, determinada por uma objetividade que por definição é finita, limitada e circunscrita. Por sua natureza, uma experiência de Deus é experiência daquilo que transcende infinitamente a própria subjetividade e os meios históricos terrenos que fazem do ser presente de Deus um objeto da consciência.

Em terceiro lugar, o encontro revelacional, portanto, envolve o tema da gratuidade e a fé. Todavia, a partir das coordenadas da comunicação interpessoal, a razão mais profunda desse da graça torna-se manifesta. A autocomunicação de Deus é função de sua liberdade interior. Deus não é compelido a comunicar seu eu interior. A revelação tem sempre o caráter de evento; manifesta-se de forma imprevista. O correlato desse caráter de evento reside na liberdade de Deus. Sempre que a revelação ocorre ou é experienciada como encontro interpessoal com Deus, apropria qualidade temática da experiência é que ela se realiza a partir da livre iniciativa de Deus.

A relevância dessa caracterização da experiência revelacional de Deus reside sobretudo em sua fidelidade à própria experiência. Não corresponde, em certa medida, aos que os cristãos dão a entender quando aludem ao processo revelacional de Deus? Se essa descrição se coaduna efetivamente com a experiência, também encerra alguma relevância adicional. Explica por que a fé cristã não é conhecimento na acepção comum do termo, e ao mesmo tempo preserva a dimensão cognitiva da fé da revelação. A revelação não é sabedoria filosófica, nem conhecimento científico, nem alguma forma de conhecimento impessoal e objetivo, nem conhecimento das coisas ou dos eventos históricos, nem conhecimento histórico, nem conhecimento propositivo acerca de Deus, nem conhecimento produzido por idéias inatas, nem verdade apriorística latente na pessoa humana como tal.

Todas essas outras espécies de conhecimento têm algo a ver com a revelação, que, porém, não é redutível a nenhuma dessas formas de conhecimento humano. Pelo contrário, a revelação é sui generis, representa um conhecimento de espécie própria, que em última análise difere de qualquer outra modalidade de conhecimento. Situamo-lo no marco analógico do conhecimento pessoal, intersubjetivo. Entretanto, como resultado da autocomunicação de Deus, transcende o próprio marco analógico.

Por ser uma forma sui generis de conhecimento, a revelação não compete com nenhuma outra forma de conhecimento, e nenhum outro dado do conhecimento humano com ela compete. Visto que a revelação não é de forma alguma conhecimento objetivo, é simplesmente equivocado, por um erro a priori nas categorias, encarar o conhecimento cientifico ou qualquer outra modalidade de conhecimento deste mundo como ameaça à revelação. Na obstante, em que pese essa diferença qualitativa das demais formas de conhecimento, a revelação é, contudo cognitiva. Como consciência divina, a revelação é uma forma de conhecimento de Deus.

Dom Eduardo Rocha Quintella
Bispo Diocese Belo Horizonte

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquisar neste blog